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Psicóloga clínica que realizou por 10 anos atuação na Saúde mental da PBH e atualmente dedica aos atendimentos particulares. Participa de artigos nas Revistas Vox objetiva e Tendência Inclusiva. Realiza palestras e entrevistas na mídia impressa e televisiva.

terça-feira, 26 de junho de 2012


Hora de responder

por André Martins
Ao contrário do que recomendam os ensinamentos cristãos e o discurso contra (Foto: Stock.xchng)
Conta a Bíblia que, depois de ser traído por 30 moedas de prata, Jesus se aproximou de Judas, seu delator, beijou-lhe a face e o chamou de "amigo". O trecho, pormenorizado no livro de Mateus, denota, sobretudo, benevolência - um dos tantos atributos de Cristo. No lugar do Messias, entretanto, poucos teriam lançado olhar compassivo diante de uma traição.
Há quase 2 mil anos vigorava a conhecida Lei de Talião, o "olho por olho, dente por dente". Os ensinamentos cristãos não correspondiam às regras sociais da antiguidade. Eles significavam uma irrupção. Jesus era pela temperança, mansidão, compassividade e pelo perdão. Por diversas vezes, ele sugeriu que, uma vez agredido, o melhor a fazer era oferecer a outra face. "Os humilhados serão exaltados", dizia em pregações.
O pensamento cristão ganhou espaço e se emaranhou com a ética humana, tornando-se uma espécie de regra social. O poder instituído se consolidou. Para não viver em uma terra sem leis, onde tudo fosse resolvido a fio de espada, o homem passou a abrir mão da honra e do direito de fazer justiça por ele mesmo. Era assim ao menos em tese. Afinal, nem sempre é isso que se vê, principalmente em países com altos índices de violência, como o Brasil. Quem arbitra e estabelece reparações entre partes discordantes é o Poder Judiciário, que funciona melhor em alguns países que em outros.
Reprimir a agressividade, não revidar uma violência, procurar o caminho da introspecção e do autocontrole é algo bonito. Ao menos no papel. Desde crianças, as pessoas são inseridas em um mundo de violência. Elas recebem instruções que vão guiá-las por toda a vida. "É preciso levantar a bandeira da paz"; "Violência só gera violência" é o que se aprende nas escolas. Mas se a criança chega da escola com marcas de agressão feitas por um coleguinha, a coisa pode mudar de figura. Se for um menino, é possível que o pai deixe de lado os princípios cristãos e explique para o pequeno que na Antiguidade de Cristo funcionava de outro jeito.
De acordo com a psicanalista Yeda Fajardo, o revide em igual proporção - embora politicamente incorreto - é sim uma ação legitimada socialmente. A vingança, por exemplo, sempre foi vendida pela indústria cultural e comprada com prazer pela sociedade. Os exemplos estão em filmes, novelas, livros. "Quando uma pessoa sofre algum tipo de violência, é tolerável que ela encontre algum método de reparação. Isso é algo socialmente permitido", explica.
Para a psicanálise, a agressividade (não apenas a física) é um elemento constitutivo do homem. O sentimento se manifesta desde os primeiros anos da criança, passando por mutações ao longo da vida. "Kant entende a violência como o ato; o outro é como o meio e o instrumento. No caso do bullying, a criança agressora enxerga a vítima como um instrumento para dar vazão à agressividade. O natural é que haja o revide, pois a vítima também passa a enxergar o agressor como um objeto", explica.
Yeda chama a atenção para a possibilidade de o revide acontecer pela necessidade de "exorcizar" uma culpa cujo peso o indivíduo agredido não suporta. "A forma de se ver livre dessa culpa é praticando uma violência semelhante contra um terceiro. Nesse caso, o ‘troco' não é dado por conta da agressão sofrida em si, mas é a forma que o agressor encontra para se ver livre da culpa".
Mas o revide, que seria natural, nem sempre acontece. E isso pode ser um problema. Ser politicamente correto, aceitando passivamente uma rotina de violências físicas e psicológicas, não é saudável. Conviver sofrendo abusos pode dar origem a um processo de autodestruição. "Existem pessoas que são violentadas, e muitas vezes não sabem a razão. Pode ser que nem exista... Esses indivíduos se perguntam: ‘por que estou sofrendo essa violência?'", ilustra.
O sentimento de culpa injustificado passa a ser um tormento em longo prazo. E essa carga pode desencadear diversos transtornos, como explica a psicóloga clínica Maria Angélica Falci. "Diante disso, a pessoa pode desenvolver comportamentos antissociais, ansiedade generalizada, depressão moderada ou grave e diversos sintomas psicossomáticos", enumera.
Responder à agressão não quer dizer necessariamente rebater à altura. Não é recomendado, por exemplo, que uma violência física seja paga na "mesma moeda". Diante de um abuso, é necessário que o indivíduo agredido se imponha para evitar a recorrência do ato. "É preciso que essa pessoa se posicione. Por meio da fala é mais que o suficiente. Basta dizer algo, como ‘isso eu não posso tolerar. Este é o meu limite'. Essa reação é um tipo de revide; é uma resposta ao ato violento", explica Maria 
Angélica.
O PERDÃO
Embora revidar com parcimônia e bom senso seja preciso, em determinados momentos o recomendável é optar pelo perdão. No trato com os filhos, por exemplo, é preciso saber equilibrar a punição por erros e peraltices com o perdão. A criança passa a entender a casa não como um lugar de repressão, mas como um ambiente marcado pela tolerância.
De acordo com a psicóloga Maria Angélica, é necessário que as crianças tenham voz dentro de casa. "É interessante que elas desenvolvam a capacidade de reagir diante de diversas situações. Eventualmente estarão erradas, mas posicionar-se com firmeza nem sempre significa questionar a autoridade. Os responsáveis têm que ser sensíveis e saber entender isso. Não é saudável para criança nenhuma viver neutralizada pelo medo da severidade de pais que não sabem perdoar, mas apenas punir os erros com rigor", entende.