CRIANÇA SEM CONTROLE, ADULTO FRACASSADO
Fernanda CarvalhoPesquisa revela: crianças que aprendem a lidar com frustrações tendem ao sucesso na escola e na vida profissional
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A pesquisa coordenada por Avshalom Caspi e Terrie Moffitt, psicólogos estudiosos de saúde mental e desenvolvimento humano, acompanhou 1036 pessoas de todos os subgrupos, da infância à fase adulta. Os testes realizados com crianças associaram habilidades de autocontrole à riqueza e antecedência criminal na idade adulta, independentemente do nível de inteligência ou da classe social familiar. O que significa que os pequenos que não sabem lidar com frustrações tendem a apresentar uma série de comportamentos mais agressivos e a não terem sucesso profissional. Em contrapartida, aqueles que desenvolvem um bom autocontrole e sabem lidar com os percalços da vida se tornam profissionais de sucesso, mais controlados e menos impulsivos. Não se trata de inteligência.
A especialista em psicopedagogia, Sandra Soledade, explica que, em princípio, para a criança não existem regras. A sociedade e a família, como primeira instância, trabalham essas leis. Quando a criança percebe que nem sempre vai conseguir o que quer, ela começa a aprender a lidar com a frustração e a ter autocontrole. “Quando ela está em uma sala de aula, brincando com os coleguinhas, às vezes ela desejará o brinquedo da outra criança. Ela vai, então, entender que não poderá simplesmente tomar o objeto das mãos da outra criança. Terá que negociar. Isso é um aprendizado pra vida”, exemplifica.
Desde que a irmã mais nova nasceu, M.C., 10 anos, começou a se comportar de forma diferente. Segundo o pai, a menina passou a ter comportamentos de “mocinha” e tinha dificuldade de entender os limites. Não tinha controle, não sabia conversar direito e ficava irritada por coisas simples. “Eu acho que os atritos começaram mais por causa dos ciúmes da irmã. O porquê dessa intensidade, eu não saberia falar. Não sei a quem ela puxou, mas não acho que seja genético”, analisa.
Pesquisas já esclareceram que o autocontrole é parcialmente herdado e, em parte, aprendido. Segundo a psicóloga Maria Angélica Falci, crianças que têm uma boa base na formação aprendem a ter autocontrole. “A pessoa que se autocontrola é aquela que possui uma boa formação emocional. Ela sabe distinguir o que é certo do que é errado. Além disso, busca qualidade de vida, sabe se relacionar, tem vida social, afetiva, profissional, espiritual, em andamento e de forma ativa”, explica Falci.
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Esse é justamente o grande debate que emerge da descoberta: já que o autocontrole é um forte influenciador da vida futura. Como fazer com que crianças aprendam a lidar com frustrações e a ter mais autocontrole?
Sandra Soledade explica que uma das formas de ensinar o autocontrole pode ser aprendida na escola, por meio de jogos onde os pequenos são colocados na posição de negociadores para conseguirem o que desejam. Assim aprendem as regras. “Em casa também é importante que existam combinados na família”, acrescenta a psicopedagoga.
As pesquisas mostram. Alguns dos mais eficazes programas são aqueles envolvendo treinamento de pais. Segundo Maria Angélica, a formação familiar, a atenção dos pais, influencia na formação emocional, na autoconfiança e na segurança. “Em relação à frustração, existe uma pesquisa sobre o estresse infantil que mostra que crianças cujos pais não possuem muito interesse, não dão atenção, tendem a buscar uma forma de compensação, por exemplo, na alimentação em excesso”, expõe.
De acordo com o psicólogo e doutor Dave Walsh, autor dos livros No – Não - e Smart Parenting, Smarter Kids ou Pais espertos, filhos mais espertos, um dos princípios básicos desenvolvidos pelo cérebro é que ele se torna bom nas ações constantemente repetidas. “Se uma criança não desenvolve autocontrole, então é difícil para ela conseguir atrasar gratificações, ser paciente, perseverante e controlar seus impulsos quando for adulto”, afirma Walsh.
Já um estudo realizado pelos criminologistas Alex Piquero, Wesley Jennings e David Farrington concluiu que mais pessoas com autocontrole iriam conduzir a melhores decisões em vários domínios da vida social: menos uso de drogas, melhor educação e emprego e menores índices de criminalidade. Segundo Piquero, por meio do desenvolvimento do autocontrole no início da vida, as crianças tenderiam a experimentar resultados positivos. “Existem vários programas de intervenção, mas a maior parte implicará em ajudar pais e filhos em como exercitar autocontrole, tomar as melhores decisões cedo na vida e focar nos custos das ações mais do que nos benefícios”, explica.
Para Terrie Moffitt uma das estratégias seria o treinamento dos pais, visando a melhor educação das crianças. Assim como Soledade, Moffitt acredita que outra tática seria fazer intervenções em escolas-base para professores em sala de aula ou até mesmo em programas de televisão. “Vila Sésamo é uma atração em que os fantoches modelam como economizar dinheiro para um objetivo futuro e resistir à tentação da compra impulsiva”, exemplifica a pesquisadora.
Não é à toa que a psicologia e a psiquiatria infantis estão em alta. O número de crianças com problemas de ansiedade, angústia e depressão cresce a cada dia. Maria Angélica enfatiza que a situação é assustadora. Segundo a psicóloga, isso acontece em função da modernidade, do estresse contemporâneo e dos pais que tentam barganhar o afeto com questões materiais. E é justamente a partir desses problemas originários da infância que o autocontrole pouco ou nada se desenvolve, a ponto da pessoa passa a agir, em algumas situações, por impulso, sem leis. “São frutos do abandono, da exclusão. Quando não existem regras, a pessoa age por instinto, como se nada fosse atingi-la e tudo pudesse ser experimentado”, esclarece a psicóloga.
Gerações
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De acordo com Sandra Soledade, algumas famílias estão com dificuldade em lidar com a frustração. “Os pais passaram a um extremo oposto, porque ele pensa ‘Não quero ser esse pai autoritário que eu tive’. Passou a ser aquela laissez-faire de permitir tudo e, com isso, as crianças pensam ‘Se eu posso, eu vou fazer. Se eu não recebi a norma, eu vou fazer’”, ilustra a psicopedagoga. Para Soledade, as pessoas começam a criar estratégias para fugir das frustrações fazendo provas de vestibular apenas em faculdades particulares ao invés de lutarem por universidades de grande prestígio, concorrência e dificuldade, por exemplo. Optam pelo caminho mais fácil.
Dave Walsh explica que o “não” é uma boa estratégia. “Dizendo ‘não’ quando precisamos dizer, nós ajudamos as crianças a aprender as habilidades da autodisciplina”, explica. Na concepção de Walsh, quem conta a história é quem define a cultura. Segundo ele, atualmente as histórias são contadas pela televisão, pelo videogame, pelo computador e isso provoca uma epidemia que ele nomeia Transtorno de Déficit de Disciplina – o “TDD”, cujos sintomas incluem desrespeito, impaciência, uma necessidade de gratificação instantânea, expectativas infladas e consumismo fora de controle. “Se não tratado, o TDD vai produzir, espiritualmente e psicologicamente, crianças fracas. É por causa disso que a autodisciplina é um fator chave para o sucesso futuro”, alerta.
As pesquisas são muitas e esclarecedoras. O autocontrole é o maior preditor de sucesso. Ao mesmo tempo, pais e filhos estão na contramão. Está lançada a batata-quente nas mãos de educadores e, porque não, dos governantes.